Automação ameaça mais mais de 27 milhões de trabalhadores em todos os 5.570 municípios do país
O desenvolvimento de novas tecnologias nas próximas duas décadas pode gerar transformações profundas no mercado de trabalho brasileiro. Levantamento do Laboratório do Futuro, Coppe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta que a automação ameaça mais da metade dos empregos em todos os 5.570 municípios do país até 2040. Em cada uma dessas cidades, pelo menos metade dos empregos serão altamente impactados. São mais de 27 milhões de trabalhadores, 60% dos que têm carteira assinada, que correm o risco de ter alguma tarefa assumida por um robô ou sistema de inteligência artificial, por exemplo.
Os efeitos serão mais sentidos nas áreas mais ricas do país, predominantemente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, onde os setores de indústria e serviços são mais desenvolvidos e espalhados territorialmente. Cerca de 70% das vagas nessas regiões terão alta probabilidade de serem impactadas pela tecnologia. Norte e Nordeste, por sua vez, sentirão menos, uma vez que suas economias são mais dependentes de atividades primárias pouco sujeitas à automação, como turismo, agricultura de subsistência e extração mineral e vegetal.
O levantamento da UFRJ foi produzido com base na metodologia desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, em 2017, que apontou 47% dos empregos nos EUA sob ameaça da automação . Os cálculos para a realidade brasileira foram possíveis com dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do governo federal, que monitora o trabalho formal no país.
Diferentemente das transformações que marcaram o mercado de trabalho no século passado com o início da mecanização, sobretudo na indústria, os efeitos da automação em curso agora serão mais sentidos em setores como agricultura, comércio e manufatura , o que fará com que a mudança se espalhe do Oiapoque (RR) ao Chuí (RS).
— Boa parte das atividades agrícolas do Norte e Nordeste já foram automatizadas em ondas passadas. Estamos chegando na onda que afetará mais os setores de serviços e administrativos, menos afetados no passado e concentrados no Sul e Sudeste. E já há tecnologias disponíveis para isso — diz Yuri Lima, um dos responsáveis pelo estudo na UFRJ.
Os resultados da pesquisa da UFRJ contrariam a ideia comum de que a indústria é a que mais sofre com a automação. Especialistas alertam que, mais do que empregos, tarefas executadas por humanos serão substituídas por máquinas . Em vez da imagem clássica de um robô apertando um parafuso em uma linha de produção, softwares e sistemas de inteligência artificial serão alguns dos protagonistas de um processo que muda a configuração atual de várias profissões, grande parte delas no setor de serviços.
No varejo, por exemplo, crescem meios de pagamento eletrônico que eliminam não apenas o dinheiro, mas também o operador de caixa, a ocupação mais ameaçada no país, segundo o estudo. No mundo jurídico, tendências de julgamentos e jurisprudência já são mapeadas por sistemas automatizados, que diminuem a demanda de escritórios por advogados. Entre as profissões na mira da tecnologia estão muitas que são encontradas em qualquer cidade, embora o estudo mostre impacto maior nas mais desenvolvidas.
No Rio, 63% sob risco
O fato de a indústria perder cada vez mais espaço na economia brasileira para o setor de serviços — que já responde por 73,6% do PIB, incluindo comércio e administração pública —aumenta a disseminação dos impactos pelo país, que vão do desemprego à redução da renda. Entre os municípios com mais de 100 mil habitantes do país, Macapá (AP) é o mais afetado, com 75% dos trabalhadores suscetíveis à automação. Já Porto Alegre, na outra ponta, tem 58% dos postos com alto risco de automação. No Rio e em São Paulo, são 63% das vagas.
— Serão prejudicados não apenas municípios com alto grau de automação, mas também outros, por conta da dinâmica regional do trabalho. A cidade que não pensar em qualificação, política pública para capacitar essas pessoas, estará abrindo mão da sua existência — alerta Lima, que irá analisar o impacto em cada município para sugerir soluções para o futuro.
A revolução, no entanto, pode ser ainda maior. Hoje há 93 milhões de pessoas na força de trabalho brasileira, mas a Rais cobre pouco mais de 46 milhões — a metade do contingente do país que tem emprego formal. As mudanças tecnológicas devem tirar essa condição de muita gente, avaliam os especialistas, introduzindo novos modelos de contrato de trabalho e outras mudanças no sistema previdenciário nas próximas décadas.
Das dez profissões com mais pessoas ocupadas no Brasil, oito têm probabilidade de automação acima de 80% até 2040, atingindo hoje cerca de 9 milhões de trabalhadores. São funções consideradas “automatizáveis” ou para as quais já existem tecnologias capazes de executá-las de forma automática, sem ou com pouca intervenção humana. Um exemplo é a crescente substituição de operadores de call center por atendentes virtuais.
O rápido avanço da automação preocupa os sindicatos. Para Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese, instituição de pesquisa do movimento sindical brasileiro, o desafio exige novas abordagens:
— Todos estamos vendo os efeitos que essas novas máquinas têm no mundo do trabalho e que todos serão afetados. Temos que estar preparados.
Para Anderson Sant’Anna, professor de comportamento e trabalho da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Brasil não está preparado. O país está iniciando essa discussão de modo tardio por conta da crise econômica, com alto desemprego e baixo investimento das empresas, avalia o especialista.
Na lanterna em inovação
O Índice de Preparo para a Automação, calculado pela revista britânica The Economist para 25 países — considerando ambiente de inovação, políticas educacionais e políticas de mercado de trabalho — coloca o Brasil na 19ª posição. O país é o último na categoria relacionada à inovação, que poderia gerar mais empregos qualificados, capazes de resistir à automação, como programadores ou especialistas em dados.
— Talvez a gente tenha perdido uma janela de oportunidade. Não há um projeto mais amplo para se pensar essa mudança. No Brasil, estamos preocupados em salvar um modelo econômico que já morreu ou que está em transição. Estamos fazendo mudanças na legislação trabalhista para categorias que serão as mais afetadas nessa transição — diz Sant’Anna.
Para o professor da FGV, o avanço da tecnologia pode obrigar o Brasil a rever o seu sistema de proteção social, ainda baseado nas relações tradicionais de trabalho. Entre as possíveis soluções, Sant’Anna aponta programas de renda básica universal como uma possível rede de proteção que permita a transição para novos empregos.
— A velocidade em que isso está sendo processado não tem precedentes, podemos ter crises sociais por conta disso. Vamos ter um novo grupo, que chamamos de “precariados”. Não é uma relação entre capital e trabalho como na era industrial anterior. Agora, todos nós seremos convertidos em capital.
Fonte: O Globo
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