IBM no Brasil – O site norte-americano “Rest of the World” publicou na sua editoria de trabalho na América Latina uma reportagem sobre as denúncias as quais a IMB têm sido alvo no Brasil. O texto cita o escândalo de discriminação contra trabalhadores de TI residente em Minas Gerais, que foram excluídos de um processo seletivo da multinacional. O caso foi denunciado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Tecnologia da Informação de São Paulo (Sindpd-SP) e chegou ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que abriu inquérito para investigar a conduta da gigante de TI.
A decisão da empresa de excluir trabalhadores do estado ocorreu depois que a IBM ser enquadrada, em MG, como empresa de TI, após ação judicial de um sindicato mineiro. Explica-se: via de regra, a categoria de TI possui uma Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) que garante melhores condições de trabalho e maiores benefícios aos trabalhadores, em comparação com os direitos garantidos à categoria de comerciários, que era como a IBM se declarava em Minas Gerais – e como faz no resto do país.
LEIA: Entenda como nova lei da saúde mental vai funcionar
A multinacional é alvo de ações no mesmo sentido em outros estados do país, como o Paraná, e a decisão da Justiça do Trabalho de MG pode ser a primeira de muitas derrotas da IBM nos tribunais trabalhistas brasileiros. Vale lembrar que em março deste ano, a IBM ficou em terceiro lugar numa eleição dos “Piores Lugares para se Trabalhar” no setor de TI brasileiro. A gigante norte-americana também “viralizou”, recentemente, ao presentear com uma “bolinha anti-stress” uma funcionária afastada por burnout. Na época da “eleição”, não faltaram comentários reivindicando o primeiro lugar para a IBM.
Abaixo, reproduzimos a reportagem de “Rest of the World” na íntegra, traduzida. O texto original pode ser lido clicando aqui.
—
“Por que os funcionários da IBM no Brasil estão processando para serem classificados como trabalhadores de tecnologia
Sindicatos em dois estados brasileiros estão processando a IBM em um esforço para serem reconhecidos como funcionários de tecnologia, dando-lhes acesso a melhores salários, benefícios e participação nos lucros.
Quando a IBM publicou um anúncio para um trabalho remoto no Brasil em setembro passado, incluiu uma advertência: “A IBM, por razões institucionais, não contratará residentes de Minas Gerais, mesmo que esta seja uma posição remota”.
A decisão da empresa de excluir trabalhadores do estado do sudeste brasileiro, onde vivem 20,5 milhões de pessoas, ocorreu depois que a IBM perdeu uma ação judicial para o sindicato local. Em 2015, o sindicato dos trabalhadores de TI do estado processou a empresa de tecnologia por listar os seus funcionários como comerciantes e não como trabalhadores da tecnologia, tornando-os inelegíveis para uma série de benefícios atraentes. Em 2018, um tribunal regional decidiu a favor do sindicato, obrigando a IBM a reconhecê-lo como representante legal dos funcionários da IBM no estado.
Galvanizados pela vitória em Minas Gerais, uma série de sindicatos nos estados brasileiros entraram com ações judiciais contra a IBM – uma gigante da tecnologia que gerou US$ 61,9 bilhões em receitas no ano passado, com cerca de 427 mil funcionários em todo o mundo. As ações judiciais exigem que a empresa reconheça seus funcionários como trabalhadores de tecnologia e lhes dê as vantagens associadas a essa função. Os vendedores, que é como a IBM atualmente classifica seus funcionários no Brasil, não têm direito a esses benefícios.
Em 2021, um sindicato de TI no sul do estado do Paraná abriu uma ação contra a IBM pelos mesmos motivos – se os juízes decidirem a seu favor, o sindicato dos trabalhadores de tecnologia de São Paulo planeja relançar sua própria batalha legal, Antonio Neto, presidente da o sindicato dos trabalhadores de TI de São Paulo, disse ao Rest of World.
“A IBM é puramente TI. Na verdade, é difícil encontrar uma empresa que seja tão TI quanto a IBM”, disse Leandro Ghizini Smargiassi, advogado do sindicato mineiro que liderou o processo, ao Rest of World. A recusa da IBM em registrar-se como tal, disse ele, “é um insulto às leis trabalhistas”.
No Brasil, as condições de trabalho dos trabalhadores de tecnologia são diferentes daquelas dos vendedores. Por exemplo, os vendedores têm uma semana de trabalho de 44 horas – quatro horas a mais do que o limite para trabalhadores de tecnologia. Estes últimos também têm direito a um salário mínimo maior, pagamento de horas extras e participação nos lucros — bônus de final de ano que depende do lucro anual da empresa.
Na Justiça, o sindicato mineiro argumentou que a IBM não é uma empresa de vendas e que sua principal atividade é o desenvolvimento de software. Para comprovar seu argumento, o sindicato ressaltou o fato de a IBM ser membro da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom).
Os sindicatos acreditam que a IBM se registrou como empresa de vendas no Brasil para obter vantagem comercial. “Se você observar as leis trabalhistas aplicáveis para TI, elas são mais caras do que para vendas”, disse Smargiassi. “Se eles se cadastrarem como [vendas], terão um custo menor, possibilitando um ganho maior.”
Em comunicado ao Resto do Mundo, a IBM disse que “se opõe à discriminação em todas as suas formas e continua a contratar ativamente em todo o Brasil, inclusive em Minas Gerais”. A empresa disse que “se defenderá vigorosamente contra essas alegações totalmente infundadas”.
Depois que a IBM publicou a lista de empregos que proibia a candidatura de mineiros, o Ministério Público do Trabalho do estado recebeu um fluxo de reclamações. No final de janeiro, ela abriu uma ação civil pública contra a IBM, buscando impedir a empresa de discriminar candidatos no estado e solicitando US$ 3,9 milhões em indenização por danos morais coletivos.
O sindicato e os cerca de 600 funcionários da IBM que representa não receberam remuneração. “A IBM fez de tudo para dificultar a apresentação de dados completos que possibilitassem o cálculo correto para cada trabalhador”, disse Smargiassi. Embora o sindicato não tenha certeza sobre o valor total que a empresa deverá pagar, estima-o em “dezenas de milhões de reais”, disse Smargiassi.
“A IBM fez de tudo para dificultar a apresentação de dados completos que possibilitassem o cálculo correto para cada trabalhador.”
Milhares de trabalhadores da IBM em outras partes do Brasil esperam um resultado semelhante. Em 2016, o sindicato dos trabalhadores de TI de São Paulo, o maior estado brasileiro, perdeu uma ação judicial contra a IBM na qual pedia para ser reconhecida como representante legal dos trabalhadores da empresa. Atualmente, está processando duas outras empresas pelo mesmo motivo: Proxxi, empresa de propriedade da IBM, e Kyndryl, empresa fundada como spin-off da IBM e vendida em novembro de 2021. Assim como a IBM, ambas estão registradas como empresas de vendas. Ao todo, as três empresas têm cerca de 9 mil funcionários só em São Paulo, segundo o sindicato.
Neto disse ao Rest of World que o sindicato aguarda uma decisão favorável no Paraná antes de tentar levar a IBM à Justiça novamente. Duas decisões favoráveis aos trabalhadores podem aumentar a probabilidade de um tribunal de São Paulo decidir a seu favor.
No Brasil, as empresas são automaticamente vinculadas a um sindicato específico, dependendo de suas atividades econômicas autodeclaradas, disse Viviann Matos, promotora do Ministério Público do Trabalho, ao Rest of World. Seu escritório investiga essas correspondências quando alguém apresenta uma reclamação. As partidas estão sujeitas a fraude e não recebem supervisão proativa de nenhuma instituição, disse ela.
Em seu relatório anual de 2022, a IBM disse que “está envolvida em vários desafios com as autoridades fiscais brasileiras em relação a autuações de imposto de renda e questões litigiosas não de imposto de renda”, e que o custo potencial relacionado a essas questões é de aproximadamente US$ 400 milhões. A IBM “vai prevalecer nessas questões”, concluiu o relatório.
O tipo de ação movida pelo sindicato paranaense representa uma ameaça às empresas, pois pode resultar em consequências financeiras e jurídicas significativas, incluindo uma enxurrada de ações judiciais em diferentes jurisdições, disse Fernanda Perregil, advogada e professora universitária do Instituto de Educação Insper e Pesquisa em São Paulo, disse Rest of World.
Para Neto, qualquer compensação que a IBM possa ser obrigada a pagar é insignificante em comparação com os lucros da empresa: No último trimestre de 2023, a IBM reportou um lucro líquido de 3,3 mil milhões de dólares, um aumento de 14% em relação ao ano anterior. “É amendoim”, disse ele.
Outra vitória como a de Minas Gerais, acredita Neto, poderá forçar a IBM a mudar as categorizações dos trabalhadores em todo o país. “Estamos cercando a IBM”, disse ele.”
Reportagem escrita por Laís Martins, bolsista de reportagem Labor x Tech na Rest of World com sede em São Paulo
(Foto: Reprodução)